Na noite de terça-feira, 28 de outubro de 2025, a Capela Lídia Almeida de Menezes, no bairro Alto do Mateus, em João Pessoa, se tornou palco de um dos momentos mais marcantes da história evangélica brasileira. O Instituto Bíblico Betel Brasileiro (IBBB) iniciou a celebração de seus 90 anos com um culto de abertura que emocionou centenas de pessoas e marcou o começo de uma semana inteira de festividades. Sob responsabilidade do Centro de Educação Teológica e Missiológica (CETEMIBB), o evento reuniu líderes cristãos, missionários, professores e ex-alunos vindos de outros países.
O tema escolhido para a festividade carrega profundo significado: “Uma obra feita a muitas mãos”. Repetido ao longo da noite em declarações, músicas e testemunhos, o lema resume a essência de uma trajetória que começou no sertão paraibano e hoje forma líderes cristãos em Portugal, Japão, Índia, África, Peru e dezenas de outros países. Logo na abertura, uma das representantes da instituição deixou claro o espírito da celebração: “Nós estamos comemorando 90 anos e ninguém pode receber os lauréis, porque ao longo dos anos nós podemos dizer: ‘Foi a mão do Senhor que fez isso'”.
A programação da semana se estendeu até 1º de novembro, com eventos dedicados a cada uma das cinco organizações que compõem o Betel: terça-feira para o CETEMIBB, quarta-feira para a Convenção de Igrejas (CONIBB), quinta-feira para Missões Mundiais (OMIBB), sexta-feira para o Instituto Superação e a Rede de Colégios, e sábado para o IBBB como um todo. Cada dia trouxe histórias, testemunhos e renovação de compromissos com a missão.
Louvor, Escrituras e abertura solene
O culto de abertura teve início com um momento de louvor congregacional intenso. Músicas como “Tudo que tem fôlego louve ao Senhor” e “De todas as tribos, povos e raças” encheram a capela, enquanto participantes de diferentes nacionalidades se uniam em adoração. A atmosfera era de gratidão profunda. Em determinado momento, a liderança convidou alunos, ex-alunos, professores, pastores e membros das igrejas do Betel a se identificarem, levantando as mãos. A capela se encheu de testemunhos visuais de vidas transformadas.
Em seguida, a assembleia foi convidada a se levantar para uma leitura coletiva de 1 Crônicas 29, passagem bíblica que relata a entrega do rei Davi ao preparar a construção do templo. “Ó Senhor, tua é a grandeza, o poder, a glória, a vitória, a majestade. Porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra”, recitaram juntos, em um ato simbólico que reconhecia a soberania divina sobre toda a história da instituição. A leitura foi complementada pelo Salmo 96, que exalta a glória do Senhor entre as nações. “Cantai ao Senhor um cântico novo. Cantai ao Senhor todas as terras”, proclamaram, antes da oração de dedicação que oficialmente abriu a solenidade.
“Pai, nós te louvamos. Eis a tua igreja, o teu povo reunido em adoração… Esta é uma obra sustentada pelas tuas mãos. Esta é uma obra cuidada durante esses 90 anos pelo Senhor Jesus”, declarou o orador em oração, reforçando que a trajetória do Betel não se explica por esforços humanos, mas pela providência divina. A declaração central da noite ecoou repetidas vezes: “O crescimento desta obra nunca dependeu de estratégias humanas. Um planta, outro rega. Deus é quem dá o crescimento”.
Uma história que começou com fé e sacrifício
Para contextualizar a celebração, foi exibido um vídeo institucional emocionante que resgatou toda a trajetória da instituição. Em 29 de fevereiro de 1934, a jovem missionária canadense Nelie Ernestine Horne desembarcou no Porto de Recife trazendo um sonho plantado por Deus em seu coração. No ano seguinte, em 1935, ela fundou o Instituto Bíblico Betel na cidade de Patos, no interior da Paraíba, com o objetivo de preparar mulheres brasileiras para o evangelismo e a educação cristã.
Osmarina Rosa Rodrigues, que fez parte da primeira fase da história do Betel, testemunhou no vídeo: “Eu sou privilegiada por ter feito parte da primeira fase da história do Betel, quando a fundadora Ernestine Horne foi a diretora por muitos anos. Dona Ernestine foi uma grande bênção na minha vida… mulher de Deus, dedicada ao ensino da palavra, uma grande administradora”. A missionária canadense construiu as fundações de uma obra que, décadas depois, atravessaria oceanos.
Em 1968, aconteceu uma virada decisiva. A professora Lídia Almeida de Menezes assumiu a liderança, oficializou o nome “Betel Brasileiro” e transferiu a sede para João Pessoa. Foi sob sua gestão que a primeira turma oficial se formou em 1969, com alunas como Iris Almeida, Dion Fernandes e Duvalina Bezerra. Mas antes de assumir, dona Lídia enfrentou profundas inquietações. Ela fez três perguntas a Deus que se tornaram proféticas: “De onde virão os alunos?” A resposta divina foi clara: “Enviarei de toda parte do Brasil e de várias nações”. “E os professores?” — “Trarei de diversas denominações e darei o dom de mestre”. “E os recursos para a compra do prédio e manutenção da obra?” — A resposta veio firme: “Eu sou o dono do ouro e da prata”.
Nove décadas depois, as promessas se mostram cumpridas de forma impressionante. O Betel hoje possui 27 polos espalhados pelo Brasil, 2 unidades no exterior, 312 professores e mais de 1.432 alunos de centenas de igrejas e denominações. O ensino a distância, oferecido pela plataforma EDBEL, alcança outros 400 alunos no Brasil e em diversos países. Desde sua fundação, a instituição já formou mais de 4.000 pessoas, que hoje atuam como pastores, missionários, tradutores bíblicos, professores e líderes em todos os continentes.
Visitantes internacionais atestam alcance global
Um dos momentos mais marcantes da noite foi a apresentação dos visitantes internacionais pela missionária Adriana Urban. A diversidade de origens e ministérios presente na capela ilustrou de forma concreta o cumprimento das promessas feitas a dona Lídia décadas atrás. Entre os convidados especiais estavam o pastor Samuel Aala, diretor do Betel Português, representando a obra em Portugal; o pastor Steve Lambert, da Forward Baptist Church em Toronto, Canadá — a mesma igreja que enviou Ernestine Horne ao Brasil em 1934; o pastor Zacarias Moreno e sua esposa Érica, diretores da base missionária na África; as missionárias Ana Marinha e Mabi, que servem em Calcutá, na Índia; o pastor Walter Kobaias e sua esposa Raquel, do Betel japonês; e a missionária Raquel Punk e seu esposo Max, que atuam em Ayacuto, no Peru.
Também estavam presentes representantes do Equador, além do pastor Edmundo Speaker e sua esposa Marl, da iniciativa “Jamais Sozinha”, que trabalha com viúvas e mulheres abandonadas. A presença dessas figuras não foi apenas protocolar. Cada uma delas representa vidas transformadas, igrejas plantadas, comunidades alcançadas — frutos diretos da formação recebida no Betel Brasileiro. A mãe do pregador oficial da noite, Asmanete Grangeiro, também foi homenageada, representando as famílias que apoiaram e enviaram seus filhos para serem formados na instituição.
Testemunhos que atravessam continentes
O vídeo institucional trouxe uma sequência emocionante de testemunhos de ex-alunos que hoje servem em diferentes frentes ministeriais ao redor do mundo. Jorge Noda atua há 37 anos no Ministério de Educação Teológica. Ilésio é pastor há 31 anos em Araguaína, Tocantins. Walter Kobaias serve na base missionária do Betel no Japão há 21 anos. Red Bay é pastor batista há 13 anos e capelão militar das Forças Armadas brasileiras. Ronald Carvalho, que foi o primeiro aluno do seminário evangélico masculino do Betel, dirige a Junta Administrativa de Missões da Convenção Batista Nacional há 30 anos.
Fernando Moura trabalha como missionário na Austrália há 40 anos. Rosália serve entre os indígenas Potiguara há mais de 47 anos. Vil de Aíes atua em Portugal há mais de 40 anos com ensino teológico e plantação de igrejas. Claudicia Silveira trabalha entre ciganos na República da Sérvia há 17 anos. Raquel serve entre o povo Quechua no Peru há mais de 35 anos. Josué Romano fundou o Projeto UNA em favelas da zona sul de São Paulo, atendendo crianças e adolescentes em vulnerabilidade. Cristiano Lopes é pastor e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Wilma Miranda Alves Guimarães, formada em 1985, fundou a igreja e o Colégio Betel em São Paulo, que hoje atende 507 alunos da educação infantil ao ensino médio. O pastor Neto pastoreia em Custódia, no sertão nordestino, e atua em três comunidades quilombolas. A missionária Tânia fundou a ONG CDI Lídia Almeida em Menezes. Rogério Vidal Moreira e Barlinda Moreira trabalham na Alemanha há 31 anos com evangelização, discipulado e plantação de igrejas. A diversidade de campos de atuação — do sertão nordestino à Coreia, da Índia à Guiné-Bissau — demonstra o alcance global da formação oferecida pelo Betel.
Mas um dos testemunhos mais impactantes foi o de Alexandre Canhone (conhecido como Xand), ex-Paquito da Xuxa que se tornou missionário no Níger há 23 anos através do projeto “Guerreiros de Deus”. Apresentado pela missionária Duvalina ao lado de sua esposa Giovana, psicoterapeuta, Alexandre relatou sua trajetória da fama à conversão. Em seu testemunho em vídeo e ao vivo, mencionou experiências desafiadoras recentes: intercessão na Coreia do Sul, serviço voluntário em Israel e, em fevereiro de 2025, um livramento miraculoso de uma tentativa de execução no Níger, país de maioria muçulmana onde as temperaturas chegam a 42°C. Emocionado, ele declarou: “O meu ministério e o pastoreio que Deus me confiou na jornada… Ninguém faria por mim o que o Betel fez”.
A mensagem que desafiou a todos: lembrar para não esquecer
O ponto alto do culto foi a pregação do Reverendo Dr. Robson Grangeiro, pastor titular da Igreja Presbiteriana de Tambaú e chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ex-aluno do internato do Betel entre 1981 e 1983, Grangeiro voltou à sua alma mater para trazer uma mensagem provocativa e desafiadora, baseada em Deuteronômio 8:1-20, com o tema “Lembre hoje o que você não pode esquecer jamais”.
Logo no início, ele trouxe um alerta contundente. Citou o exemplo da Universidade Harvard, fundada em 28 de outubro de 1636 (exatos 389 anos antes da celebração do Betel) por puritanos que fugiam da perseguição religiosa nas ilhas britânicas. Harvard nasceu como uma escola de preparação de obreiros cristãos, com o brasão “Veritas Christo et Ecclesiae” (Verdade para Cristo e para a Igreja). Porém, no século XIX, sob influência do Iluminismo, a universidade abandonou sua identidade confessional, removeu “Cristo” e “Igreja” de seu brasão, e hoje é dirigida por um capelão-chefe ateu, Greg Epstein, cuja obra principal se intitula “Ser bom sem Deus”. Apesar de ter o maior fundo de doações do mundo (52 bilhões de dólares) e formar presidentes, bilionários e ganhadores do Prêmio Nobel, Harvard perdeu sua essência.
Granjeiro, declarou de forma direta. “Começar bem não é garantia de terminar bem”. A mensagem, baseada em Deuteronômio 8, foi estruturada em três pontos centrais que tocaram profundamente os presentes:
1. Lembrar o significado da jornada para não esquecer o valor do destino — As dificuldades e privações do deserto não foram acidentais, mas propositais. “O Senhor te obrigou a fazer” para te pôr à prova e “te mostrar que não é só de pão que o homem vive, mas que pode viver de tudo que Deus lhe proporcionar com uma palavra Sua”. O contraste entre a escassez da jornada (deserto) e a abundância do destino (terra prometida) ensina a confiar em Deus como um Pai que cuida. A escassez forma caráter; a abundância, se mal administrada, pode gerar esquecimento.
2. Lembrar quem é o guia da jornada para não esquecer o valor da Sua presença — O maior risco acontece justamente quando se alcança o sucesso. “Não aconteça que depois de tudo isso o teu coração se envaideça e te esqueças do Senhor teu Deus”. O reverendo foi enfático: “Vaidade e orgulho são a mãe e o pai da ingratidão”. E aplicou diretamente ao Betel: “O Betel não chegou aos 90 anos pelas mãos de homens, foi o Senhor… é preciso lembrar hoje do guia da jornada para não se excluir a sua presença no futuro do destino”.
3. Lembrar o propósito da jornada para não esquecer o senso da missão — Perder o propósito leva à destruição. “O que aconteceu com Harvard aconteceu porque se perdeu o senso da missão”. O reverendo concluiu com três conselhos práticos que foram como uma bússola para o futuro: Nunca esqueça da jornada de ensino e preparação de obreiros (foi para isso que nasceu; não substituir por atividades mais lucrativas); Nunca esqueça do Guia da jornada que já privou e proveu (humildade, dependência de Deus, obediência e gratidão valem mais que planejamento estratégico); Nunca esqueça do propósito específico que Deus deu ao Betel.
A mensagem foi encerrada com uma oração pastoral pelo Betel, pedindo que a instituição permaneça fiel à sua vocação original nos próximos 90 anos.
Oferta, gratidão e encerramento
O culto incluiu ainda um momento de ofertas, baseado em 2 Coríntios 9:5-7: “Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria”. Foi destacado que “para comemorar 90 anos, teve um custo”, e que a colaboração financeira de cada participante era parte da celebração e sustentação da obra.
Durante a oferta, foi entoado o louvor “Te Agradeço, meu Senhor”, seguido de oração de dedicação das doações. O momento reforçou um princípio histórico do Betel: “A sustentabilidade financeira desta casa nunca dependeu de recursos humanos. O Senhor nos ensinou a viver pela fé e as provisões divinas sempre foram uma realidade entre nós”.
Após o testemunho de Alexandre Canhone e mais momentos de louvor, foram dados os avisos finais sobre a programação da semana. Foram anunciadas reuniões específicas para diretores e coordenadores às 9h (quinta e sexta-feira) e para todos os ex-alunos às 14h30 (quinta e sexta-feira). A programação incluiria apresentações sobre o trabalho das igrejas, a iniciativa Promibe e o trabalho em comunidades quilombolas.
O culto foi encerrado com cânticos finais da assembleia, incluindo “Ricas e maravilhosas são as promessas de Deus” e “Levanta-te, resplandece”, cantados especialmente pelos ex-alunos presentes.
A celebração dos 90 anos do Betel Brasileiro não foi apenas uma retrospectiva do passado. Foi também um momento de renovação do compromisso com a missão original: preparar obreiros capacitados que não tenham de que se envergonhar e saibam manejar corretamente a palavra da verdade. O texto de Êxodo 34:10, que marcou a visão da professora Lídia, continua ecoando: “Eis que faço uma aliança, farei diante de todo o teu povo maravilhas que nunca foram feitas em toda a terra, nem nação alguma. De maneira que todo este povo em cujo meio tu estás, veja a obra do Senhor, porque coisa terrível é o que faço contigo”.









